domingo, 5 de setembro de 2010

Pra onde vai sua carência?

Por: Fernando Puga - Site Bolsa de Mulher
http://www.homemdemello.com.br/psicologia/carencia.htm

Do chocolate ao consumismo, cada um tem seu remédio.

Só a gente sabe como, às vezes, a carência vem violenta. Umas horas, é falta de abraço, outras, de certas palavras de incentivo ou mesmo de companhia para ouvir nossas lamúrias. Enfim, o que não falta dentro da gente é buraco para ficar vazio. Cada um se vira como pode ou consegue para tentar preenchê-los, só que nem sempre o reboco cai sob medida. E aí, do shopping ao chocolate, o mundo apresenta suas opções de sossega-leão para a ferocidade desse sentimento que nos tira do sério e pode levar à compulsão.

Então, que atire o primeiro cartão de crédito aquela que nunca partiu decidida à terapia das compras nas horas de carência. "Não posso ir ao shopping se estou um pouquinho mais pra baixo! Meu cartão de crédito chega a ficar cansado!", confessa a empresária Laura Nabuco. Ela tem sua predileção, como a maioria das mulheres, sobretudo nesses momentos: roupas. "Fico com pena das vendedoras porque experimento tudo. Me dá uma felicidade, mesmo que momentânea, aquela compra, ter aquela peça nova, fora que eu fico me sentindo mais bonita, poderosa, inabalável. Depois, quando chega a conta, eu me resolvo", garante ela, afirmando que até hoje nunca se arrependeu. Ao contrário de outra que não consegue resistir à tentação, a estudante Silvana Maia. Ela está até hoje pagando as parcelas do fim de seu último namoro, em novembro do ano passado. "Saí no dia seguinte e comprei calças, blusas, sutiãs, tênis, almocei em lugar caro, fiz o diabo. Não vou dizer que me arrependo porque adoro tudo o que eu comprei, mas não precisava ter sido numa tacada só. Só sei que eu estava muito abalada e aquilo me fez sentir melhor", reconhece ela.

Para a psicóloga e psicodramatista Márcia Homem de Mello esse desconto - não os das vitrines, mas o do nosso comportamento em cima da carência - é sim bastante normal. Para ela, comprar é uma forma mais rápida e prática de preencher espaços vazios, sem depender do outro. "Já que está faltando alguma coisa que eu não posso ter, eu me dou alguma coisa, algum presente, que possa fazer com que eu não me sinta tão vazio. É mais fácil porque só se depende de si e mata-se a ansiedade rapidamente. Só é prejudicial quando vira um mecanismo de vício, porque fica um movimento de perseguir eternamente a ansiedade", diz ela.

É uma espécie de tristeza, um vazio. Não é falta de homem, de sexo, nada disso, não passa por essa ordem.



É como o chocolate, arma preferida da jornalista Dulciléia Oliveira. Ela afirma que não consegue reconhecer objetivamente os sentimentos que a levam, cega, em busca de barras e bombons. Mas sabe muito bem a sensação de saciedade que eles proporcionam. "É uma espécie de tristeza, um vazio. Não é falta de homem, de sexo, nada disso, não passa por essa ordem. Sei lá, comigo pelo menos, parece mais um sentimento de incompreensão por parte do mundo, uma vontade acolhimento que dá ao sentir aquele gosto, mastigar aqueles pedacinhos", divaga. O problema mesmo é a hora de parar. "Tive épocas em que qualquer coisinha de ruim que me acontecia, qualquer ansiedade que me dava ou qualquer frustração que eu tinha, corria pro chocolate. Levava um sempre na bolsa, era como um tranqüilizante. No começo corria meio como piada, mas depois fui vendo que estava criando uma dependência psicológica daquilo", conta.

A teoria de Dulciléia tem lá o seu fundamento. O chocolate libera endorfina no cérebro, aquela substância que proporciona sensação de satisfação. "O triptófano, que está na composição do chocolate, estimula a produção de serotonina, que é o neurotransmissor responsável pela sensação de prazer, bem-estar e felicidade", explica a nutricionista Silvia Sampaio. Ela revela ainda outro segredinho do doce: o aumento da produção de feniletilamina, substância liberada no cérebro quando estamos emocionalmente excitados. "Fora isso, ele ainda é uma excelente fonte de energia por conter substâncias estimulantes que aumentam a concentração", diz ela. Mas, claro, tudo na quantidade certa. Exagero de chocolate pode dar em espinhas, problemas digestivos e até em mais carência. "Não só por produzir reações químicas, mas o chocolate, como qualquer outra coisa, pode virar uma muleta em momentos de dificuldade sentimental. E aí não é legal", comenta ela.

Mas há quem prefira ocupar os seus vazios explodindo com o mundo. Brigar é uma maneira de reclamar atenção para si e até mesmo criar uma oportunidade para se sentir valorizada. "Tive uma namorada assim", conta o analista de sistemas Thiago Amorim. "Ela sentia saudade, sentia que eu não estava me dedicando integralmente à ela, porque ela era desse tipo ciumenta que exigia exclusividade em tudo, e caía de pau. Eu abraçava, fazia carinho, pedia desculpas, enfim, fazia o jogo dela para terminar com aquela situação chata e ela procurando mais motivos, mais problemas, muitas vezes absurdos. Aí, eu tinha que parar tudo e dizer: ‘você tem noção do que está dizendo? Por que você está brigando comigo?'. Aí ela caía no choro, eu abraçava de novo, deitava no meu colo, dava beijo e ela se acalmava", recorda. Só que o recurso era tão constante que acabou exaurindo o rapaz. "Toda semana, ninguém agüenta. Vá se resolver sozinha", sentencia.

A carência é um sentimento que nos acompanha desde o primeiro segundo de vida. Na opinião da terapeuta junguiana Carolina Escherer, a sensação de falta que vivemos é ainda sintoma da perda da totalidade que temos quando nosso cordão umbilical é cortado. "Existe uma coisa chamada Self, que faz parte da teoria junguiana. Ele seria algo como a totalidade psíquica, o que envolve consciência e incosciência. Antes de virmos ao mundo, a vida intrauterina é absolutamente plena. Quando saímos dali e acontece uma ruptura física e, conforme vamos crescendo, uma ruptura psicológica", explica ela. Ruptura necessária, diga-se de passagem. "É por ela que acontece a formação da nossa personalidade e da nossa individualidade, amparada por nossas vivências", completa Carolina.

Para encerrar, Márcia Homem de Mello ressalta a importância desses momentos de carência mais exacerbada como ótimas oportunidades de autoconhecimento. "Nem o shopping, nem o chocolate estão proibidos. Mas por que não aproveitar essas horas para uma conversa consigo mesmo para tentar identificar o que anda nos deixando insatisfeitas e o que podemos fazer em matéria prática para modificar esses conflitos?", conclui a psicóloga.

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